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O que vem depois da XP Expert ESG?

O que vem depois da XP Expert ESG?
Daniela Delfini de Campos
mar. 8 - 9 min de leitura
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Impossível ignorarmos o que se passava no Brasil enquanto a maior corretora de investimentos do país realizava seu primeiro evento anual com foco em ESG (Environmental, Social and Governance). Vivíamos o pior momento da pandemia de coronavírus, com a iminência de mais um período de isolamento rígido em meio aos contínuos e cada vez piores absurdos de um presidente avaliado como o pior do mundo na gestão da pandemia.

Certamente cada um teve que fazer seu ajustes cotidianos, mentais e emocionais antes de encararmos mais um grande evento com numerosos painéis, paradoxalmente acessível e ao mesmo tempo mais desafiador no ambiente digital.

Selecionei três palestras imperdíveis:

Professor Carlos Nobre sobre a Emergência Climática 

Sempre imprescindível ouvir o cientista mais influente e didático que temos neste tema. Mais uma vez ele trouxe dados atualizados, sem deixar de traçar um panorama histórico e realizando a correlação entre os dados científicos e as medidas imediatas que a sociedade precisa tomar para a promoção das condições da vida humana no planeta.

Os dados mais relevantes:

  • 70% dos 40 bilhões de CO² emitidos são oriundos da queima de combustíveis fósseis e 24% do desmatamento e agricultura, 56% de tudo isso, felizmente retorna ao oceano e às florestas, sendo "reciclado";
  • A Terra já está 1,1ºC mais quente, o que pode parecer pouco, mas ao ser analisado em contexto histórico dá a verdadeira dimensão da gravidade: a Terra demorou 10 mil anos para ter uma temperatura 5ºC mais quente ao passo que as interferências humanas proporcionaram um aumento de um grau em apenas 100 anos;
  • Temos um desafio global urgente que é zerar as emissões líquidas até 2050 sob o risco de transformarmos a biosfera em um lugar inabitável seja para o corpo humano, seja para a produção de alimentos;
  • O setor privado já está ciente dos impactos, os desastres naturais são mais recorrentes e as empresas de resseguro já previram o risco de falência caso os eventos ocorridos em 2017 se repitam em um horizonte de 10 anos, sem contar as "quebras" de safra também observadas no setor mais importante da economia brasileira.

Como caminhos o professor aponta a mudança da matriz energética para renováveis, matrizes já viáveis economicamente e que demonstram potencial para o mercado local. No campo é mandatório o advento da agroecologia como sistema regenerativo e que promova eficiência. Comparativamente à Holanda, somos 20 vezes menos eficientes, pois continuamos adotando a antiquada política de "seguir a pata do boi" desde os anos 70.

A pressão para as mudanças vem de todos os lados, consumidor, mercado, investidores, só falta mesmo a contribuição política. Mas se a política que temos é resultado das nossas próprias escolhas, então nos deparamos novamente com a complexidade da sociedade atual, falta senso crítico, temos inúmeros problemas estruturais e o nosso mundo, redondo que é, tem dado voltas cada vez mais rápidas, sem acompanhar o ritmo da nossa evolução.

Resumindo ao extremo: temos conhecimento científico, aumento da consciência crítica do mercado, empresas se direcionando cada vez mais para a ética da sustentabilidade e investidores fazendo a transição.

Os exemplos do projeto Amazônia 4.0 começam a chegar ao grande público e de 97 a 99% dos brasileiros são a favor da preservação da Amazônia, mas uma contradição parece não ter resposta: como todos esses atores foram capazes de apoiar a eleição de um governo tão contrário a todo este movimento e como a sociedade articulará os próximos passos, extremamente dependentes e indissociáveis das políticas públicas que historicamente já vimos contribuir com a queda do desmatamento, a valorização da biodiversidade e a recuperação econômica associada a ganhos sociais, que tanto defendemos nos conceitos de sustentabilidade?

John Elkington e o Boom do Capitalismo Regenerativo

Ele cunhou o termo Triple Bottom Line para explicar às empresas o que era sustentabilidade e como as organizações poderiam e deveriam associar este valor às suas estratégias.

Fiquei feliz de encontrar em um consultor respeitado e muito influente no mercado tradicional de grandes organizações a visão que mais me inspira atualmente: a dos sistemas regenerativos. Ele reforçou a importância da visão e das mudanças sistêmicas em todas as suas colocações, esclarecendo que o conceito de sustentabilidade agora exige de nós um comprometimento com as mudanças exponenciais que as transformações sistêmicas provocam - "not incremental, but sistemic and exponential changes".

Em consonância com a ciência (vide painel do prof. Carlos Nobre), Elkington chamou a atenção para a oportunidade e urgência de transformações nos setores de energia e todos ligados à produção de alimentos apresentando o Green Swan Observatory que acompanhará quatro temas prioritários: cidades; alimentação - solo - agricultura - saúde - nutrição; eletricidade e recursos financeiros.

Outros pontos nevrálgicos de discussões acerca de Greenwashing e políticas globais também foram respondidos com ênfase para nosso grande obstáculo atual: a falta de lideranças políticas e globais que de fato enfrentem as discussões difíceis, os lobbies e a falta de transparência.

Ele enfatizou a importância do financiamento dos países do Hemisfério Norte para a preservação da biodiversidade e das florestas tropicais localizadas em países "em desenvolvimento" do Hemisfério Sul. Não se trata de uma opção, mas do que é essencial para a manutenção da vida no planeta. E quem está acelerando estas mudanças em empresas são lideranças jovens que ele denominou "nativos em sustentabilidade", são eles que estão promovendo mais colaboração na busca por soluções inovadoras.

Sobre o Greenwashing ele lembrou que somos uma espécie de rebanho e que estamos observando um grande movimento de "manada" com a ascensão do ESG, que alguns erros não são intencionais e que no final das contas essa "nova linguagem" também nos auxiliará na elaboração de novos "pensamentos", ou seja, no final o resultado é positivo e relevante.

O que eu espero que os líderes repitam como mantra até que vejamos as transformações urgentes acontecerem é que precisamos "repensar nossas ambições e prioridades", sustentabilidade não é uma escolha.

Como inspiração recomendo o painel formado por fundadores e representantes das empresas Pantys, Wickbold e Osklen.

Yuval Harari e as lições da pandemia: sucesso da ciência e fracasso dos governos

O pensador mais ovacionado da atualidade foi taxativo logo no início do painel, não temos nenhuma liderança global, exceto os sete países bem sucedidos no enfrentamento da pandemia (Islândia, Finlândia, Noruega, Dinamarca, Nova Zelândia, Alemanha e Taiwan) todos liderados por mulheres, inclusive. Fomos um completo fracasso na governança geral da maior crise dos últimos tempos e ainda nem entendemos o que vem por aí: as mudanças climáticas e o colapso ecológico.

Resgatando inúmeros conceitos que vi estampados no livro Compaixão ou Competição  (Dalai Lama - 2006) Harari nos recordou de que temos todas as ferramentas, temos o conhecimento, mas o problema está na competição. O países bem sucedidos na gestão da pandemia demonstraram que com um pouco de cooperação e liderança, os resultados foram positivos. Estes países entenderam que para protegerem a si mesmos tinham que proteger todos os demais. A interdependência é uma das premissas para a compreensão da sustentabilidade.

Como enfrentar problemas tão complexos quanto a pandemia? Educação, formação de mentes críticas, a verdade é complexa e desconfortável, precisamos desenvolver pessoas com a capacidade de avaliar no que devem acreditar. 

Harari também discorreu sobre segurança de dados, a importância da transparência, da imprensa livre e sobre sustentabilidade: como ser otimista se não estamos sabendo lidar com a pandemia, o que esperar da emergência climática e do colapso ecológico, que são muito maiores do que o que estamos enfrentando? 

Não se trata de altruísmo, nem temos como voltar atrás com relação a globalização ou novas tecnologias, no fundo foi sempre sobre uma questão: ética. Somos seres sociais e isso não mudou com o passar do tempo, nem com a pandemia, nosso desafio continua sendo social.

Se tudo indica que a urgência da sustentabilidade ganhou relevância a ponto de dominar o evento mais importante dos "faria limers" a pergunta que não quer calar é: será que também ficou claro que para todas as ações prioritárias elencadas nos 29 painéis dependem de políticas públicas para se tornarem realidade? Será que veremos empresas colaborando com o letramento da sociedade em política ou promovendo a visão crítica necessária para que não tenhamos um genocida e ecocida presidindo nosso país? Como será que as empresas vão se posicionar setorialmente, já que lobbies são uma realidade extremamente influente nas câmaras e no senado?

 


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